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Luiz Zanotello explora o tempo em exposição no âmbito da EMAP
Todos os anos, a Plataforma Europeia de Media Arts (EMAP) promove um programa de residências artísticas, em várias cidades da Europa, com o objetivo de apoiar projetos de artistas emergentes nas áreas do vídeo, arte digital, robótica, bioarte e outros domínios das Media Arts.
Entre os 16 nomes que este ano integraram o programa de residências, Luiz Zanotello, de origem brasileira e sediado em Berlim, foi o artista selecionado e alocado à cidade de Braga, com a proposta de desenvolver (durante um período de dois meses) um trabalho colaborativo para ser apresentado no gnration. Habituado a trabalhar as Media Arts – onde se dedica à criação de imagens e poéticas através da perfusão entre diversas linguagens eletrónicas – o artista uniu-se a Ricardo Vieira para explorar a ambivalência da palavra “tempo”, ideia que conduziu à criação da exposição “Tempo e Tempo” acolhida pelo gnration até janeiro de 2025.
Depois de concluir a residência, Luiz Zanotello sentou-se à conversa com as equipas da Braga Media Arts e do gnration e revelou o conceito deste seu trabalho artístico que cruza a natureza, a arte e a tecnologia.
Braga Media Arts: Qual é a origem de todo o conceito desta peça "Tempo e Tempo"?
Luiz Zanotello: Este trabalho nasceu, de facto, do duplo sentido da palavra "tempo", mas também da forma com a tecnologia e a ecologia criam um tipo de imagem-tempo. Foi um certo desejo de retorno à língua portuguesa que me levou a pensar a linguagem verbal e a linguagem como modo de traduzirmos o mundo, o nosso modo de conexão com o mundo.
Foi assim que eu cheguei até "Tempo e Tempo". No fundo, no português, "tempo" é uma palavra que tem duplo ou até mais sentidos.
BMA: E de um ponto de vista mais prático, como é que a peça está construída?
LZ: Em termos práticos não é uma única peça. Aqui no gnration, a exposição é uma sala dividida em dois. Uma delas é um espaço mais quadrado e a outra mais retangular. Ao entrar na sala, há uma janela do lado direito, e uma porta do lado esquerdo, sempre aberta.
Nesse primeiro momento, o que projetamos é uma entrada no universo da linguagem. Quando entramos na sala, encontramos o ponto de partida do projeto, que é a própria língua. Nesse primeiro "tempo", existe um texto que está sempre correndo, a uma velocidade específica, e é um texto infinito, escrito por mim e pelo Ricardo Vieira - com quem colaboro neste projeto. É um texto que cria, também, uma certa ideia de infinitude, que escapa à linearidade da própria linha desenhada pelo texto no espaço. Ao entrar, os corpos e as pessoas acabam por fazer parte daquele texto. Deixa de ser algo que nos é dado num formato transcendental e passa a ser algo em que, de facto, participamos.
No segundo gesto, distanciamo-nos da ideia do texto e somos confrontados com imagens de câmaras espelhadas pelo mundo, que acompanham o movimento circular de uma bússola – que pode também ser um relógio, parte de cada um. Nós (eu e o Ricardo) procuramos câmaras de acesso aberto que medem o tempo, neste caso climático, ao redor do planeta. São dispositivos que observam os rios, os lagos, as florestas ou o céu e analisam as transformações desses locais. Aqui, quando vemos estas imagens, a nossa perceção de tempo é baralhada, porque tudo o que vemos - uma nuvem que passa em determinado momento em Portugal, em breve chegará na Espanha - e as próprias imagens trazem-nos um tempo que, além de climático, está também ligado ao passado, ao presente e ao futuro.
É uma disposição interessante porque nesta primeira sala temos o tempo, enquanto linha, que se redobra no infinito. E na segunda sala temos o tempo, enquanto círculo, que também se redobra no infinito.
BMA: De onde partiu a vontade de analisar e explorar câmaras de acesso aberto?
LZ: Eu sempre tive esta coisa de gostar de olhar essas câmaras. São imagens que estão a olhar para uma montanha ou para um rio e, muitas vezes, ninguém as está assistindo. E há algo que me fascina nisso e na distância envolvida nessa imagem.
Quando eu desenvolvi a proposta do projeto e comecei a procurar pelos acessos e pelas entidades que geriam essas imagens, analisei as possibilidades de como pegar esse feed dessas câmaras online e trabalhá-los em tempo real através de um algoritmo que eu desenvolvi, em especial aqui dentro do gnration. Este é um algoritmo que engloba diferentes linguagens. Experimentei com Python, OpenCV, etc., e com coisas mais técnicas até chegar naquela que é a minha linguagem materna tecnológica: o próprio Java Processing, onde desenvolvi o algoritmo que a gente está experienciando no espaço.
Toda a experiência foi muito interessante. Sinto que quase que conseguimos quebrar fronteiras. Em certo momento as fronteiras deixaram de existir, e não só devido às imagens. As distâncias espaciais e métricas já não importam tanto porque a distância temporal fica aparente.
BMA: Como foi o processo de trabalhar dentro da rede EMAP?
LZ: Eu fiquei muito feliz quando o trabalho foi selecionado pela rede EMAP. Já tinha feito candidaturas durante vários anos e desta vez pensei que fazia mesmo sentido. Eu apliquei já com tudo definido. Já sabia que queria vir para Portugal, que queria fazer esta pesquisa cá e na estrutura do gnration. E isso foi possível graças à EMAP.
É incrível porque quando entrei na rede foi a primeira vez que estive dentro de uma sala com um grupo de pessoas que fala a mesma língua artística, por assim dizer. A EMAP me fez ter uma real perceção do que é uma rede onde as perguntas, as propostas e as nossas práticas se conectam.
A exposição está patente na Galeria Zero do gnration até dia 4 de janeiro de 2025, com entrada gratuita. Conhece o trabalho de Luiz Zanotello no seu website e sabe mais sobre "Tempo e Tempo" em emap.eu e em gnration.pt.